sexta-feira, 17 de junho de 2011

Pessoa me fala: "às vezes ouço passar o vento..."
O vento me gela o rosto
As lágrimas caem quentes
E me pergunto se o vento vale tanta coisa
Se o vento vale tanta dor

Respondo internamente: "sim"
Por mais que a razão me diga sempre
"Mas é só ar em movimento..."
O vento me gelou o rosto
E valeu a pena ter vivido.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Dois versinhos ignóbeis

Do teu glóbulo

Há em ti essa coisa sem nome
Essa vida que pulsa
Em cada músculo
Cada veia
Batimento, desencanto
Há em ti um não-mistério de ser
Essa coisa que grita
-Suavemente-
Em mim
Por entre as ondas do nosso silêncio


-

Vá embora
Vá embora e leve junto essa luz que me incomoda
Seus cigarros, suas nuances, seus amores
Nada disso a mim importa

Tua promessa de esperança
De dois corpos ao relento
Tudo isso vale menos

Que os meus dias fatigantes
Que minhas costas doloridas
Que meu coração cortante

sexta-feira, 4 de março de 2011

Apontamento em três do dois

Após tantos anos de aparente estabilidade, o homem acorda de um sonho não muito diferente do habitual, abre os olhos e sente a dor latente em suas vias aéreas.
Sente a dor, e tudo parece queimar por dentro. Sua traquéia é agora um pedaço disforme de tecido onde são apagados todos os cigarros do planeta.
A dor parece tão forte que ele finge não reparar as gotículas que começam a sair pela lateral dos olhos, amigas da gravidade que atua livremente naquela posição. Também não notaria o grito reprimido que embarga sua garganta, o leve tremor das mãos, o suor gelado que cobre sua fronte.
Toda sua concentração se volta para a mais primitiva das sensações humanas.
A dor tem nome e endereço, e ele sabe.
Os cabelos brancos são sinal de certa experiência, assim como a farda de nobre tecido azul na cadeira ao lado. O homem sabe o que o paralisa, o que o impede de levantar, o que coloca toda a rotina bem planejada em risco.
Após certa idade, não é o passado de um homem que perpassa centenas de vezes em sua mente. O que ficam são as hipóteses, os caminhos alternativos que ele não trilhou. Após certa idade, o homem vive de se.
Vive dos prazeres que recusou, vive da culpa pela moralidade hipócrita que jurou preservar, das ideologias empoeiradas que defendeu, sente o gosto das garrafas de whisky que nunca chegou a tocar. O homem possui apenas um rosto em sua mente, a face suave e sincera da ingratidão, mil faces serenas sobre a face da desgraça.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Copie Disforme

Ei, moça.
É, você mesma aí sentadinha no banco da praça fingindo arrogantemente que lê o jornal da semana passada.
Pois saiba que eu sei que você não o lê, não porque não saiba ou não queira, mas porque não podes se concentrar no momento. O jornal é a sua válvula de escape atual nesta pracinha cheia dessas crianças pentelhas e babás brancas.
Ei.
Existe em você um quê de sofrimento. Talvez sejam seus olhos cândidos, já meio embotados pelas lágrimas. Não encare isso como um elogio, moça. Não nasci com a veia poética que me faria amá-la pelos seus olhos lamacentos.
Eu reconheço os seus gestos, as leves fungadas do teu nariz, as matizes únicas do seu vestido florido, ou melhor, do vestido que roubaste à tua sogra.
Ei. Não me olhe assim raivosa. Saiba que neste momento apenas lhe quero bem. Como consolo lhe conto uma coisa: hoje foi o enterro de minha mulher.
Quarenta e dois anos juntos. Quer dizer, juntos na mesma cama, separados da alma, como dizem. Uma vida inteira, é. Sim, sim, eu a amava, como um camponês ama a terra que cultiva, e o crente as punições. Se não estou mal? Talvez. Quer dizer, já não sei se um rato como eu possui o dom da dor. A dor que justifique a existência.
Sinto no mais, a falta de reconhecimento. Sou um verme, acredite. Acredite também que só me encontro nesta praça estúpida por covardia! Já imaginei pelo menos trinta vezes desde que cheguei aqui o que farei ao encontrar-me novamente em casa, junto aos azulejos escolhidos por ela, as plantas terríveis que ela teimava em manter acreditando numa natureza falsa dentro de nosso lar. Suas manias deixaram vestígios em tudo; no ar, nas paredes, no toque dos meus dedos. Como posso atravessar a rua e ver-me na calçada em que seus pés pisaram, tocar na maçaneta que ainda possui o cheiro do esmalte de suas unhas recém-cuidadas?
Estou louco, querida, terrivelmente louco. E deitar-me na cama que ainda possui o formato de seu corpo, beber-lhe a xícara com sua marca de batom, ver em todo canto os vinis medíocres dos sambas que você dançava? E esse seu vestido florido que roubaste à minha mãe?
Não, seus olhos lacrimejantes não tornam sua dor mais bela. Saia daqui, e leve este jornal antigo que já não me serve mais ao zelador, peça que compre o jornal do dia mais um maço de cigarros que alivie a minha repulsa. Isso,vá pela sombra e tente não morrer atropelada no caminho.
....
Onde estávamos?
Ei, moço.

Cantiga na roda (da vida)

Se não vivi foi porque não quis.
Tive sim as oportunidades, os meios, as razões.
Tive as prostitutas disponíveis, o tempo do álcool barato, a praia de Copacabana logo ali.
Se não vivi, foi por puro despeito! Foi o meu modo de cuspir na cara da vida e dizer o quão superior eu pude ser. Ou me tornar.

Se não te amei, nem pude amar, foi porque não quis.
Não quis ser o motivo das tuas risadas nem o personagem dos teus sonhos.
Não quis ser o pai dos teus filhos, o companheiro ante os sucessivos enterros vida afora.
Se não te amei, querida, foi por desespero!

Desespero entre nossos dentes, entre nossos corações.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Como diria Tolstói.

Um homem pode viver durante cem anos e continuar morto desde o dia de seu nascimento.
Um segundo, um mínimo vislumbre de felicidade ensina mais a um homem do que cem anos de piadas, orgias e manipulações. Em sua mais pura essência, a criança aponta o dedo para as estrelas e seus pais dizem que isso lhe traz azar. Ela não aponta mais. E se não aponta, como poderá atingi-las um dia?

Parece-me que a felicidade só é válida quando compartilhada. Porém para encontrá-la pela primeira vez, há de se estar sozinho. Há de sofrer, de chorar sozinho em um quarto escuro, de rogar aos céus uma morte indolor.
E o golpe funesto de felicidade atingirá este homem. O desejo de estar vivo em meio à morte e mutilação. De sorrir em meio às lágrimas alheias e de continuar respirando em meio à fumaça dos automóveis e das explosões. De segurar as mãos amadas após as infinitas decepções, dividir o pão de cada dia com os vermes e renegar a qualquer tipo de inibidor de lucidez.

O fim do medo e do pudor é o caminho pelo qual se consertam todas as mágoas.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Você roubou meu eu de mim.
Você e o seu jeito amável e suas palavras bonitas, você e a sua inconseqüência lingüística. Você e seus xingamentos, e suas mudanças de humor. Eu fui sendo tragada, esqueci do meu humor pessimista, das minhas palavras profundas.
Você me tragou e eu fui virando criança. Pedia teu colo, queria tuas antigas frases de carinho mas já não sabia se elas existiram um dia ou se eu as tinha imaginado para me fazer feliz.
Fui querendo tuas risadas mas encontrei a ignorância. Querendo os diálogos e encontrei o mórbido silêncio das nossas conversas. Quis o teu olhar por inteiro, quis me ver refletida nas tuas pupilas, quis ser o seu quando e onde.
Eu não era eu com você. Eu era um fantasma opaco da minha forte personalidade que inventei pra te agradar. E agradei. Agradei tanto que por pouco tempo consegui o teu amor, a tua atenção.
E quando quis revelar-me eu, crua e insensível, cética e pessimista quanto à vida, recebi o puro desdém. Eu te amei tanto que reneguei a mim mesma por ti, acreditei na minha mentira, na nossa mentira. Acreditei que tinhas me mudado pra melhor.
Eu já não posso mais, não quero mais. Prefiro a casca seca da minha existência, desde que eu possa existir por completo. Prefiro o ceticismo, a dor, a solidão. Já não tenho medo de encarar o universo sozinha, um monstro prestes a me engolir com dentes de estrelas. Você me dizia que eu nunca poderia exercer minha plena humanidade desse jeito. Que eu precisava crer em algo além, em algo maior.
Hoje eu admito que você estava certo.
Eu vou acreditar em mim.